O que devo saber para enviar material para o exterior
O que devo saber para enviar material para o exterior
Se você trabalha com ciência no Brasil é muito provável que tenha ouvido casos sobre sapos, cobras e amostras biológicas viajando pelo mundo escondidos em bagagens e pochetes. Opiniões sobre moda à parte, é bem possível que você mesmo tenha protagonizado uma dessas histórias, tentando contornar as dificuldades que a legislação impõe ao transporte de materiais de pesquisa para fora do Brasil e se valendo da inoperância da fiscalização.
Com ou sem final feliz, histórias como essas têm se tornado cada vez mais raras, já que as leis para importação e exportação da fauna ou flora brasileira foram atualizadas e, ao mesmo tempo, a fiscalização ficou mais rígida.
Nesse texto tratamos brevemente das exigências da lei para o envio ou remessa de material para o exterior na tentativa de facilitar o trabalho do cientista e evitar o uso de pochetes – com pequenos tubos repletos de vírus e protozoários – nas viagens ao exterior.
Diferenças entre envio e remessa
Há inúmeras discussões sobre a necessidade e consequências da Lei nº 13.123/2015 (Lei da Biodiversidade) que merecem uma conversa separada. Mas, considerando que a lei está em pleno vigor, vale entendê-la para melhor aplicá-la. De acordo com essa lei - que está entre as normas que regem a transferência de material biológico -, há duas modalidades de transporte internacional de amostra do patrimônio genético brasileiro (PGB): o envio e a remessa.
O artigo 2º da Lei que trata tanto de envio como de remessa não oferece todos os elementos para, de fato, compreendermos de que se trata cada um dos institutos. Vejam que remessa é definida como transferência de amostra de patrimônio genético para instituição localizada fora do País com a finalidade de acesso, na qual a responsabilidade sobre a amostra é transferida para a destinatária (inciso XIII, artigo 2º da Lei). Enquanto envio é definido como envio de amostra que contenha patrimônio genético para a prestação de serviços no exterior como parte de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico na qual a responsabilidade sobre a amostra é de quem realiza o acesso no Brasil (inciso XXX, artigo 2º da Lei).
O critério que distingue um do outro, pelo artigo, é a responsabilidade. Se a responsabilidade é da instituição internacional destinatária, trata-se de remessa. Por outro lado, se a responsabilidade permanece com quem transfere, ou seja, com quem promoveu o acesso no Brasil, trata-se de envio. No caso do envio, portanto, a instituição que recebe as amostras deve seguir as orientações do remetente, ou, como informa a lei, o envio se dá meramente para a prestação de serviço pela destinatária.
Podemos dizer que, em linhas gerais, na remessa é transferida a responsabilidade sobre o material para o destinatário e, por isso, há maiores formalidades nessa transferência, como a necessidade de cadastro prévio no sistema SisGen e a formalização de Termo de Transferência de Material (TTM) entre outros.
Já no envio, a responsabilidade permanece com o remetente; assim deve ser a escolha para os casos de prestação de serviços no qual o destinatário deverá realizar os ensaios e, em seguida, devolver ou destruir a amostra.
Deve ficar claro, portanto, que se a relação com o parceiro internacional se trata de uma colaboração científica, o transporte de material internacional se dará através de remessa e um acordo deve ser firmado entre as partes prevendo, entre outros, titularidade de propriedade intelectual.
Mas, se por outro lado, a relação com parceiro internacional é delimitada à execução de testes ou atividades técnicas especializadas, de forma pontual e sob orientação da instituição no Brasil, trata-se de envio (§ 4º, art. 24, Decreto 8.772/2016).
Para afastar qualquer dúvida, apresentamos um quadro comparativo com todos os elementos que diferem entre remessa e envio:
Ilustração adaptada de Manuela da Silva
Na Fiocruz
O fluxo definido pela Fiocruz para envio ou remessa de material do PGB para o exterior pode ser resumido no fluxograma abaixo:
Ilustração elaborada por Pedro Bigler, Fabricia Pimenta e Renata Curi Hauegen
Possíveis interferências no processo
Atualmente, o processo de cadastramento do patrimônio genético na plataforma SisGen é muito rápido. É, contudo, no momento da negociação do TTM, ou outro instrumento jurídico, com o destinatário que pode ocorrer algum atraso no processo. Esse período de negociação e harmonização das exigências legais entre as instituições pode ser a causa de eventual lentidão no processo.Não é sempre que todas as cláusulas de um contrato de TTM são aceitas pela outra parte. Por outro lado, nem todas as alterações sugeridas pela instituição parceira podem ser acolhidas, uma vez que a lei brasileira exige a manutenção de determinadas condições que garantam direitos da Fiocruz e seus colaboradores e evitem eventuais abusos ou ilegalidades.
Ciente dessa dificuldade, o CGen elaborou modelo único de TTM que, após assinado pela Fiocruz e parceiros, poderá ser usado para todas as remessas com a mesma instituição, pelo prazo de, no máximo, 10 (dez) anos, renováveis. Nesse caso, vale lembrar que cada remessa deverá ser cadastrada, separadamente, no SisGen. Temos, então, um TTM amplo, ou ‘guarda-chuva’, que poderá ser utilizado na vigência de todo o projeto de pesquisa (Resolução CGen nº 12, de 18/09/2018).
Vale lembrar que tratamos nesse texto sobre questões de PGB apenas para remessa e envio para o exterior. As exigências para transporte entre instituições nacionais, assim como outras questões jurídicas e operacionais, relacionadas, por exemplo, à exportação, meio ambiente e biossegurança merecem texto próprio.
Ainda permanecem as discussões em torno da política de proteção ao patrimônio genético e conhecimento tradicional, e algumas dessas podem ser vistas no Portal da Fiocruz. Para a realização do envio/remessa de material do PGB pela Fiocruz para parceiros no exterior, contudo, já há um fluxo claro e simples. O Escritório de Inovação está pronto para auxiliar nossos especialistas e pesquisadores nas etapas de negociação e celebração do TTM e cadastro no SisGen. Estamos à disposição.
Fabricia Pimenta
Centro de Desenvolvimento to Tecnológico em Saúde
Fundação Oswaldo Cruz
Renata Curi Hauegen
Centro de Desenvolvimento to Tecnológico em Saúde
Fundação Oswaldo Cruz