Convidamos a pesquisadora Bruna Fonseca para falar sobre o projeto de redes colaborativas na resposta da ciência para a pandemia por SARS-Cov-2
Com o projeto “Análise da capacidade de resposta científica colaborativa à pandemia da Covid-19”, Bruna Fonseca foi uma das contempladas dentro do Programa Inova Fiocruz Covid-19, pelo CDTS. O conceito de redes fica mais próximo quando podemos pensar relações entre indivíduos ou instituições por meio de intercâmbio, cooperação e sinergia. O grupo científico do qual Bruna faz parte já se debruça sobre o conceito de análise de redes colaborativas no âmbito da ciência, no Brasil e no mundo com diversas publicações científicas na área. E este projeto, especificamente, se propõe a analisar pesquisadores, instituições ou países dispostos a cooperar na resposta de enfretamento aos desafios da pandemia de Covid-19. Com a entrevista podemos entender um pouco mais sobre o que, como contemplados do edital, vão poder produzir por aqui.
O projeto contemplado pretende analisar a evolução das redes colaborativas de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação sobre Covid-19. Poderia nos explicar brevemente o que seriam “redes colaborativas” e como elas funcionam?
O conceito de rede teve origem na física e na matemática, mas encontrou aplicações em diferentes áreas do conhecimento, da sociologia à biologia. Não há uma definição única, mas em geral as redes podem ser entendidas como estruturas abertas e não-hierárquicas, que pressupõem relações entre atores por meio de intercâmbio, cooperação e sinergia. No contexto do nosso projeto, podemos dizer que uma rede colaborativa é um grupo de indivíduos, instituições ou países dispostos a cooperar em torno de um conjunto de ideias ou estratégias bem definidas para enfrentar os desafios da pandemia de Covid-19.
“O desafio da manutenção de uma rede é encontrar o equilíbrio entre formalidade e informalidade, entre processos sistemáticos e processos espontâneos, entre organização e ‘descentralidade’.”
A articulação e operação das redes colaborativas pode acontecer de diversas maneiras. Muitas redes se formam espontaneamente, a partir de interesses comuns e podem funcionar sem regras explícitas, desde que haja benefício para todos. No entanto, quando organizações passam a fazer parte de uma rede é imprescindível que haja algum grau de formalização em que os propósitos sejam explicitados, os papéis definidos e as regras de cooperação estabelecidas.
O desafio da manutenção de uma rede é encontrar o equilíbrio entre formalidade e informalidade, entre processos sistemáticos e processos espontâneos, entre organização e ‘descentralidade’.
Qual a importância destes estudos que analisam a dinâmica e o processo de formação dessas redes?
As redes de colaboração permitem o compartilhamento e combinação de conhecimentos para abordar problemas de complexidade crescente, que dificilmente se resolveriam sob uma única perspectiva. Especialmente na área da saúde, onde o processo de pesquisa e do desenvolvimento tecnológico (P&DT) é dinâmico e complexo. Estudar o processo de formação dessas redes e sua evolução temporal e temática se torna um importante instrumento de apoio à definição e concretização de ações efetivas de saúde pública. “A ideia é avaliar o quanto essa rede foi eficiente na difusão e compartilhamento de conhecimento sobre o SARS-CoV-2 e a Covid-19, com ênfase especial na análise das colaborações sul-sul, norte-sul e público-privada.”
No nosso projeto, a análise da dinâmica das redes de colaboração científica irá consolidar informações sobre a evolução da P&DT sobre Covid-19 e SARS-CoV-2 realizados de maneira colaborativa, e sobre a capacidade de resposta científica (“science preparedness”) global e nacional. Essas informações podem subsidiar o planejamento e definição de políticas e estratégias para uma resposta científica e tecnológica mais eficiente.
Como o grupo de análises de redes do CDTS produzirá esse estudo?
Vamos coletar dados de artigos e documentos científicos sobre o SARS-CoV-2 e a Covid-19 publicados nos seis primeiros meses a partir da declaração da OMS de emergência de saúde pública de âmbito internacional (PHEIC). Após integrar e padronizar esses dados, que foram estimados em um número superior a 100 mil publicações, iremos aplicar a metodologia de análise de redes para construir as redes de coautoria entre países e organizações com base na afiliação dos autores dos artigos. Vamos então analisar a estrutura e a evolução temporal dessas redes usando métricas de coesão, conectividade e centralidade. A ideia é avaliar o quanto essa rede foi eficiente na difusão e compartilhamento de conhecimento sobre o SARS-CoV-2 e a Covid-19, com ênfase especial na análise das colaborações sul-sul, norte-sul e público-privada.
Além de obterem informação sobre as redes colaborativas em Covid-19, quais outros parâmetros relacionados à pesquisa e desenvolvimento tecnológico o projeto investigará?
Vamos analisar os temas de P&DT presentes nas colaborações, relacionando as tendências, convergências e lideranças dos países e organizações. Para isso, vamos desenvolver e aplicar uma metodologia de análise de conteúdo automatizada, baseada em processamento de linguagem natural e inferência estatística. Nessa análise, o texto dos artigos será lido e “interpretado” por um conjunto de algoritmos em um computador que vão identificar e representar o significado das palavras na memória do computador, contextualizando-as em temas específicos como epidemiologia, virologia, transmissão, prevenção, tratamento etc. A análise computadorizada do significado do texto permite a comparação, agrupamento e classificação de uma grande quantidade de documentos em tempo reduzido, além de suas conexões com outros metadados (ex: autores, instituições). Com isso, vamos analisar também a coerência da P&DT com as necessidades específicas de saúde pública, incluindo aspectos relacionados à epidemiologia, padrões de transmissão, fatores de risco individuais e coletivos, estratégias de controle adotadas pelos países, desenvolvimento de produtos e tecnologias.
Apesar de não termos dados quantitativos formais, o Brasil tem acompanhado o protagonismo da Fiocruz no enfretamento da pandemia. Nesse sentido, o projeto prevê uma análise da contribuição da Instituição nesse cenário?
Sim! Inicialmente vamos fazer uma análise global, mas também incluiremos um recorte nacional. A ideia é analisar as redes de colaboração de pesquisadores afiliados a instituições brasileiras e, nesse contexto, poderemos mapear a contribuição da Fiocruz para a geração de conhecimento sobre a Covid-19. Pretendemos estabelecer uma parceria com o Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) em Saúde da Fiocruz para que essas informações fiquem acessíveis à instituição e ao público de maneira geral.
Pesquisadores e instituições de ensino e pesquisa nacionais têm trabalhado incansavelmente e produzido grandes avanços em Covid-19. Na sua opinião, as emergências de saúde pública anteriores, como a Zika, podem ter contribuido positivamente na capacidade de resposta científica nacional?
Além da Covid-19, já enfrentamos outras importantes emergências de saúde pública neste século, basta mencionar as epidemias de SARS, H1N1, Ebola e Zika. Um estudo recente mostrou que a comunidade científica sempre respondeu rapidamente a essas emergências e que, em geral, os países tendem a enfatizar as epidemias que ocorrem em sua própria região.
“A epidemia de Zika mostrou que o Brasil é capaz de responder cientificamente a uma emergência de saúde mesmo com o investimento limitado em infraestrutura e recursos humanos em C&T. (...) Necessitamos de políticas públicas com visão de longo prazo que fortaleçam a nossa capacidade científica e tecnológica, incentivando a colaboração e interdisciplinaridade.”
No caso da epidemia de Zika vírus, nós fizemos um estudo recente em parceria com o Observatório de CT&I em Saúde da Fiocruz e mostramos que os esforços científicos do Brasil tiveram papel fundamental na geração e disseminação do conhecimento, contribuindo de forma expressiva para caracterização das manifestações clínicas da infecção viral. Os pesquisadores brasileiros em colaboração com as instituições de saúde publica foram responsáveis pelo trabalho seminal na documentação do surto, descrição da alta incidência de microcefalia e identificação da associação da infecção durante a gravidez às malformações dos recém-nascidos. Isso teve um impacto global muito expressivo.
A epidemia de Zika mostrou que o Brasil é capaz de responder cientificamente a uma emergência de saúde mesmo com o investimento limitado em infraestrutura e recursos humanos em C&T. A questão é que o tamanho do país, as desigualdades econômicas e sociais, a falta de saneamento e a concentração populacional nas áreas urbanas são condições favoráveis à ocorrência de outras epidemias. Necessitamos de políticas públicas com visão de longo prazo que fortaleçam a nossa capacidade científica e tecnológica, incentivando a colaboração e interdisciplinaridade.
“(..) nunca houve tantos especialistas de tantos países diferentes se debruçando ao mesmo tempo e com tanta urgência sobre um mesmo tema. O valor da ciência aberta e colaborativa ficou evidente.”
Você aponta no projeto que a pandemia de Covid-19 mudou a forma como o mundo faz ciência, tornando a mais colaborativa, transparente e eficiente. Na sua opinião, essa mudança seria apenas momentânea ou teria potencial de impactar no modus operandi futuro?
A pesquisa atual sobre Covid-19 está sendo feita no contexto de uma crise global: nunca houve tantos especialistas de tantos países diferentes se debruçando ao mesmo tempo e com tanta urgência sobre um mesmo tema. O valor da ciência aberta e colaborativa ficou evidente. Um exemplo disso foi a publicação e livre acesso ao primeiro sequenciamento do genoma do SARS-Cov-2 para pesquisadores em todo o mundo. Isso permitiu o progresso em tempo real no entendimento da nova doença e de seu agente etiológico e o início imediato de possíveis medidas de prevenção, diagnóstico e tratamento.
A necessidade de colaborar e de fazer pesquisa de uma maneira mais transparente já vem sendo debatida há algum tempo e o movimento da Ciência Aberta surgiu como um dos resultados dessas discussões. Ainda levaremos algum tempo para internalizar esse novo modelo, mas acredito que o futuro da pesquisa certamente será mais colaborativo, interdisciplinar e aberto.
Por Fernanda Fonseca e Gardênia Vargas
Equipe de Comunicação do CDTS