De quais inovações o sistema de saúde brasileiro necessita?

CIÊNCIA HOJE

De quais inovações o sistema de saúde brasileiro necessita?

Campo de pesquisa emergente permite analisar o quanto uma inovação pode nos ajudar a enfrentar os desafios da área da saúde, considerando as necessidades da população e do sistema de saúde como um todo e os impactos econômicos e ambientais​

 

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

O que têm em comum um retinógrafo portátil capaz de realizar exames de retina de alta qualidade para a prevenção de cegueira irreversível, um aparelho auditivo de baixo custo que funciona com baterias recarregáveis e energia solar, um kit que emprega inteligência artificial e possibilita a tetraplégicos comandar cadeiras de rodas utilizando expressões faciais e um guia com mais de 100 termos médicos ilustrados e explicados de forma lúdica para crianças com câncer e seus acompanhantes?

Todas essas soluções foram desenvolvidas por organizações brasileiras nos últimos anos e sinalizam o tipo de inovação que pode contribuir para aumentar nossa capacidade de enfrentar as necessidades e os desafios coletivos no campo da saúde. É isso o que mostram os princípios e requisitos da Inovação Responsável em Saúde (IRS), um campo de pesquisa emergente que coloca em evidência um conjunto de nove atributos que permitem examinar o grau de responsabilidade das inovações em saúde.

Inovação Responsável em Saúde (IRS) é um campo de pesquisa emergente que coloca em evidência um conjunto de nove atributos que permitem examinar o grau de responsabilidade das inovações em saúde

Os primeiros três atributos da IRS estão relacionados com o valor das inovações para a saúde da população. O primeiro atributo enfatiza que inovações responsáveis têm relevância sanitária, ou seja, são soluções destinadas a enfrentar um problema de saúde que é importante em determinada região, sem negligenciar as doenças raras e aquelas para as quais ainda não há cura. O segundo atributo destaca a importância de haver meios disponíveis para atenuar os impactos negativos sobre os aspectos éticos, legais e sociais suscitados pelo uso das inovações em saúde, os quais devem ser previstos durante seu desenvolvimento. O impacto das inovações sobre as desigualdades em saúde é o foco do terceiro atributo, que ressalta a importância de atender as necessidades específicas de um grupo vulnerável ou assegurar que a capacidade de se beneficiar da inovação não seja afetada pelo status socioeconômico, pela posição social ou pelas capacidades de cada um.

Os três atributos seguintes se preocupam com o valor das inovações para o sistema de saúde. O primeiro atributo desse conjunto é a inclusividade, que enfatiza que os processos de criação e desenvolvimento das inovações devem ser inclusivos (com a participação de um conjunto diversificado e relevante de partes interessadas e integração significativa das suas contribuições). O próximo atributo é a responsividade, que destaca a importância de oferecer respostas dinâmicas a uma necessidade ou a um desafio significativo do sistema de saúde (mudanças demográficas e epidemiológicas, recursos humanos, prestação de serviços, governança do sistema etc.). O terceiro atributo desse conjunto é que o nível e a intensidade dos cuidados exigidos pela inovação devem ser compatíveis com a sustentabilidade do sistema de saúde, buscando reduzir intervenções desnecessárias no nível mais especializado do sistema.

O valor econômico das inovações é examinado pelo atributo da frugalidade, que destaca a possibilidade de criar e desenvolver inovações com custos de produção e manutenção mais baixos, foco nas funções essenciais de que os usuários necessitam e que sejam fáceis de utilizar e com desempenho (robustez, precisão, durabilidade) otimizado de acordo com o propósito e o contexto de uso.

A IRS se preocupa também com a organização que produz e disponibiliza as inovações, por meio do exame de modelos de negócio que ampliem o valor oferecido aos usuários e à sociedade como um todo. Por exemplo, a organização pode adotar uma missão social e/ou ambiental, operar sem fins lucrativos ou reinvestir a maior parte das receitas em sua missão, tornar a inovação livremente utilizável ou explorável por outros, adotar um sistema de preços baseado na capacidade de pagar ou uma lógica redistributiva, empregar indivíduos com necessidades particulares e cumprir programas de responsabilidade social.

Por fim, o valor ambiental pode ser examinado pelo atributo da eco-responsabilidade, que contempla a adoção de práticas responsáveis nas cinco etapas-chave do ciclo de vida das inovações em saúde (aquisição e uso de insumos e matérias-primas, produção, distribuição, uso e descarte).

Em resumo, organizações orientadas pelos princípios da IRS contribuem para a criação de valor responsável, visando desenvolver inovações com alta eficácia, segurança e qualidade, mas que também são relevantes do ponto de vista da saúde da população, reduzem as desigualdades em saúde, enfrentam desafios significativos do sistema, são compatíveis com sua sustentabilidade, utilizam menos recursos, fornecem mais valor aos usuários e à sociedade e minimizam os impactos negativos sobre o meio ambiente.

 

Hudson Pacífico da Silva
Programa de Pesquisa In Fieri
Universidade de Montreal

 

Texto publicado originalmente na coluna 'Conexão Ciência e Saúde', na revista Ciência Hoje n.º 391.
 
 

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