Thiago Moreno é Especialista em virologia do CDTS/Fiocruz (Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde). Biólogo, doutor em Ciências (Química Biológica) pela UFRJ, Thiago também é membro da Academia Brasileira de Ciências, orientador de mestrado e doutorado, bolsista de produtividade (CNPq/JCNE-FAPERJ). O grupo que o cientista coordena é responsável por estudos e desenvolvimento de antivirais, da interação vírus-célula e de resultados laboratoriais para reorientar a prática clínica em virologia.
- Poderia comentar sobre as projeções e necessidade de cumprimento de quarentena e implementação de medidas mais drásticas em relação a prevenção e contenção do SARS-Cov-2, o novo coronavírus?
Hoje não existe vacina nem tratamento já aprovado contra o novo coronavírus (SARS-Cov-2), como o nome popular já diz, ele é um vírus novo, ainda sabemos pouco sobre ele. Ou seja, o que podemos fazer hoje para se prevenir é evitar a transmissão deste vírus respiratório. Como?
No caso de uma infecção respiratória como a Covid-19, a medida cautelar é evitar aglomeração e o contato social, além, claro, das medidas de higiene, como lavar as mãos. Em caso de contato com alguém que tenha suspeita da doença, ou alguém que tenha estado em contato com o vírus, em caso de viagem, mesmo que seja intermunicipal, a quarentena em isolamento por 14 dias é o altamente recomendado, antes de qualquer contato com outras pessoas.
Se fosse o caso de uma DST (Doença Sexualmente Transmissível) a recomendação seria usar preservativo; no caso de um arbovirose (como a Dengue, que é transmitida por mosquito), usaria um repelente; uma doença gastroentérica, o recomendado seria um bom preparo do alimento (que é o veículo que carrega o patógeno), mas como se trata de uma infecção respiratória, as medidas são diretamente com o transmissor do vírus, ou seja, o contato social.
O objetivo dessas medidas é, além de evitar o colapso do sistema de saúde, dar tempo para comunidade científica produzir possíveis soluções que possam ajudar a vida das pessoas. Essas recomendações devem ser seguidas a risca. E sim, isso tem um impacto econômico, mas tem chance de salvar vidas.
- O que seria esse “colapso do sistema de saúde”?
É quando o sistema de gerenciamento de saúde local e nacional, mesmo que a pessoa tenha plano de saúde privado ou até recursos para outras assistências, está lotado. Não existe vaga para a entrada do paciente. Então, numa situação epidêmica ou pandêmica, como por exemplo a de 2009 (com o surto de H1N1), o quadro são de muitas pessoas infectadas ao mesmo tempo e não há o que fazer para que tenham acesso o sistema de saúde. Simplesmente porque não há espaço adequado suficiente, nem profissionais para atender a todos ao mesmo tempo. Então, o melhor cenário é atender a orientação que busca achatar a curva do crescimento do vírus, que é evitar o contato social.
- Poderia nos explicar o porquê do SARS-Cov-2 ter maior transmissibilidade do SARS-Cov da epidemia de 2003?
Cada vírus tem uma natureza um pouco diferente. Neste século temos registrados três episódios de epidemia por coronavírus: a SARS, em 2002/2003; a MERS. em 2012/2013; e agora a SARS Cov-2, em 2019/2020. Esse novo SARS tem uma capacidade de se ligar no receptor das células humanas um pouco diferente do SARS de 2002/2003. Isso faz com que ele tenha uma maior capacidade de invasão nas células humanas.
E, talvez, a gente possa olhar pra trás e ver que, nas ocasiões das outras epidemias conseguiu-se um maior controle, uma maior contingência dos vírus antes que tornassem realmente endêmicos. Ou seja, o isolamento dos pacientes com SARS 1 (como tem sido chamado o SARS de 2002/2003) foi mais eficiente do que o isolamento de agora.
Essas são duas formas de enxergar o problema. Podemos pensar tanto no posto de vista epidemiológico, impedindo a transmissão, quanto no ponto de vista mais molecular, que esse vírus de agora tem de fato uma maior capacidade de se ligar ao receptor.
- Poderia discorrer sobre as limitações do estudo clínico com hidrocloroquina?
Existem mais de 600 moléculas que foram testadas pro SARS 1, pro MERS e pro SARS-Cov-2. Existem algumas dezenas de ensaios clínicos em andamento. Saber qual é a melhor molécula é a grande pergunta.
Podemos ter vários parâmetros para medir isso. Os estudos que apresentaram os dados sobre a hidrocloroquina, em particular o que se tornou público, tem problemas como: poucos pacientes analisados, pacientes somente com covid-19 branda, a análise de carga viral nos aspirados de nasofaringe não leva em conta o início dos sintomas e sim quando o paciente foi incluído no sistema de saúde, não tem uma discriminação precisa da faixa etária dos vários grupos analisados e a quantidade de pacientes impede uma estatística adequada. Enfim, o estudo em si traria uma informação interessante que é a que, em casos brandos, a hidrocloroquina funcionou de uma maneira razoável, diminuindo a carga viral e antecipando a velocidade com a qual o vírus desapareceu do organismo. Mas daí, enfrentamos um problema contemporâneo, que é a irresponsável pulverização da informação.
Se passou a “vender o peixe” deste medicamento como se fosse algo muito promissor, que até talvez seja, mas que ainda não sabemos. E agora temos que enfrentar um problema real de que, por ser um medicamento facilmente encontrado nas farmácias, houve uma corrida pela compra do próprio. Contudo, quem mais precisa são pacientes com lúpus e artrite reumatóide, não encontram mais esse medicamento, podendo, assim, causar graves crises das doenças. E, além disso, uma outra questão é que existem vários efeitos colaterais ao uso indiscriminado deste remédio, que vai desde o glaucoma e até a cegueira. E ainda, uma fração significativa da população que tem uma deficiência numa enzima, chamada glicose 6 fosfato desidrogenase (no Brasil, cerca de 2,8 a 8 % da população), não pode tomar esse medicamento.
- Gostaríamos de saber se, além das drogas contra malária que estão sendo testadas, existem outros estudos promissores de reposicionando de drogas ou de novas drogas. Se sim, quais seriam?
Existem outras moléculas que vem sendo estudadas contra a convid-19, tanto quanto outras drogas antivirais, como drogas utilizadas no tratamento do HIV ou até da influenza. Também estão em estudos quimioterápicos e biofármacos que são utilizados em tratamento em inflamações agudas.
Os estudos mais promissores são os com uma droga chamada Kaletra, um inibidor de protease do HVI. Outros são com a hidrocloroquina, mesmo, e o remdesivir, que é um análogo de adenosina, inibidor de RNA polimerase viral, que é um medicamento novo que está sendo desenvolvido pela Gilead. A grande questão de um medicamento novo é que não sabemos a que preço ele vai chegar no mercado.
- Pudemos ter acesso a informação que uma vacina, a de mRNA, está em fase 1 no NIH. Existem projeções para uso? Será que teremos chance de nos como beneficiar ainda nesta pandemia desta estratégia de tratamento?
Existem várias iniciativas de vacinas, e uma hora ou outra elas estarão disponíveis. É normal que, num momento como esse, todas as plataformas de vacinas existentes sejam usadas. Vacinas atenuantes, vacinas recombinantes, vírus vivo.
E, mais uma vez, uma das importâncias de manter a quarentena e isolamento social para parar a multiplicação de casos, na tentativa de conter, portanto, o vírus, é justamente para dar tempo para comunidade científica conseguir estudar possíveis respostas que possam ajudar a vida das pessoas, inclusive produzir uma vacina.
- E, finalmente, poderia nos dar um panorama de como o Brasil tem avançado na busca de soluções para essa pandemia? E como os cientistas têm lidado com a falta de investimento em P&D e a necessidade de novas descobertas?
A questão da falta de investimento em pesquisa e a questão do Brasil buscando soluções para o enfrentamento da epidemia, são questões mundiais. Como um país em desenvolvimento, a gente sente o impacto maior da crise econômica dos últimos anos no sistema de ciência e tecnologia. Gosto de pensar que a questão não é única do país, e é só fazer o exercício de olhar pros E.U.A.. Por lá, representantes da comunidade científica redigiram um editorial quando o (presidente) Trump pediu uma vacina com urgência. O que eles disseram foi basicamente que, a presidência cortou por muitos anos a verba de pesquisa então, como vão fazer as coisas com urgência agora?
O lado da pesquisa em geração do conhecimento é muito afetado nesse momento, porque a prioridade, obviamente é fazer pesquisas que possam dar respostas em curto prazo. A Fiocruz, por exemplo, tem trabalhado tanto no diagnóstico de referência quanto no desenvolvimento de diagnóstico. Meu grupo, em particular, trabalha na tentativa de posicionar outras drogas contra o SARS-Cov-2.
A nossa contínua necessidade de recursos fica mais evidente na medida em que surge um novo agravo de saúde pública, que não estava planejado, não contemplado em qualquer orçamento de projeto. Há, de repente, a necessidade de rápida mobilização de recursos de várias fontes para tentar atender esse novo problema. Ou seja, representa um novo custeio para os sistemas de saúde.
Entrevista por Gardênia Vargas e Fernanda Fonseca
Equipe de comunicação do CDTS