Por Gardênia Vargas
O ensinamento através do lúdico é, sem dúvidas, um dos caminhos mais gostosos para aprender. Foi pensando assim que o médico veterinário, pesquisador do CDTS, Claudio Rodrigues, idealizou o Pula Carrapato, um game que procura educar a população, com muita diversão, acerca da Febre Maculosa, também conhecida como “doença do carrapato” - enfermidade que pode matar rapidamente. “Entre 2007 e 2016, foram registrados 953 casos nos três estados mais populososdo Brasil. Destes, 450 pessoas infectadas vieram a óbito, ou seja, cerca de 50% não conseguiram sobreviver”, explica o pesquisador sobre a importância de disseminar a informação. E conclui: “O jogo foi criado para ser uma forma divertida de se informar”. O Pula Carrapato foi lançado através do apoio por edital para recursos comunicacionais (jogos digitais e aplicativos móveis em saúde) fomentado pela Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC), da Fiocruz. O game já pode ser baixado diretamente de qualquer smartphone, através da loja de aplicativos.
A primeira ideia era criar um aplicativo para celulares, contudo, durante os estudos de seu doutorado sobre a doença, Claudio foi apresentado ao grupo de jovens aprendizes em design e programação. Foi então que o médico veterinário se deparou com um novo mundo, o dos game makers (criadores de jogos). A equipe começou a tocar o projeto logo em seguida mas, por falta de recursos, a ideia foi engavetada. Em setembro de 2017, quando foi lançado o edital da Fiocruz, Claudio não teve dúvidas: reescreveu o GDD (Game Design Document) em uma semana e ganhou a oportunidade. Chamou novos estudantes, criou nova equipe e, dois anos depois, o produto foi entregue.
“O desenvolvimento foi muito interessante. Fizemos vários workshops com os estudantes selecionados e eles acabaram sendo multiplicadores das informações sobre a doença nas localidades onde moravam. Foi muito estimulante trabalhar com essa equipe heterogênea, com visões de mundo tão diferentes das minhas. Essa troca é muito rica. E ainda aprendi a acompanhar todo desenvolvimento de um game através da plataforma colaborativa Githtub, ou até de uma "rede social gamer", o Discord”, explica Claudio.
"Ele, por si só, não deve ser considerado um vilão, contudo, vez ou outra esse carrapato pode ser contaminado pela bactéria Rickettsia e torna-se um reservatório infectante"
Claudio Rodrigues, pesquisador do CDTS
Foram selecionados dois estudantes, Thadeu Alonso e Matheus Cordeiro, do único curso superior federal que tem n o Rio de Janeiro para essa temática, o IFRJ (Instituto Federal do Rio de Janeiro, Campus Paulo de Frontin). Junto a eles, o artista plásticoe game designer Daniel Bruver deu forma gráfica às ideias. Como consultores científicos, GilbertoGazêta, pesquisador titular e Coordenador do Serviço de Referência Nacional em Vetores das Riquetsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), e José Ricardo Jr., Pesquisador e professor titular do UFRJ Jogos Digitais. “Essa equipe trouxe ciência e a tecnologia lado a lado para podermos oferecer um jogo digital como uma potente ferramenta de comunicação em saúde”, conta Rodrigues.
O Pula Carrapato é um jogo que relaciona a Saúde com o meio ambiente, incluindo os animais, levando em consideração o ser humano e seus diversos comportamentos (hábitos e cultura). A intenção é mostrar que desses entrelaçamentos podem surgir, ou não, doenças de importância para seres humanos e os demais animais. Foram desenvolvidos ciclo ecológicos da Febre Maculosa junto aos carrapatos, utilizando-se de cenários distintos: urbano (na verdade, representando um domicílio), silvestre (com destaque para a faunab rasileira), rural (típico das fazendas e sítios). Intuitiva e divertidamente o jogo leva ao conhecimento de que a prevenção e a informação são as melhores armas contra a enfermidade.
“Conhecer a doença e saber se prevenir é o melhor jeito de combater uma doença. O mais importante é o esclarecimento. E o jogo é uma chance de comunicar de uma forma nova para indivíduos atentos e ávidos por conhecimento.",
Claudio Rodrigues, pesquisador do CDTS
“O jogador tem que acertar um carrapato em alvos desprotegidos para que o mesmo se alimente, possa crescer e completar seu ciclo natural de vida. Ele, por si só, não deve ser considerado um vilão, contudo, vez ou outra esse carrapato pode ser contaminado pela bactéria Rickettsia e torna-se um reservatório infectante. Daí, quando ele se alimenta novamente pode infectar uma pessoa ou um animal”, exemplifica o veterinário.
No jogo, se um personagem está inadequadamente vestido, ou um cão doméstico não está, por exemplo, com uma coleira anticarrapato, esse personagem é um alvo em potencial. As fases do Pula Carrapato demonstram também que a doença pode estar no domicílio, inclusive se urbanizando. Isso acontece quando um animal doméstico é infectado ou até quando um ser humano se torna um eventual hospedeiro - no caso de trazer carrapatos de uma viagem ao sítio da família no fim de semana, por exemplo. O roteiro segue o ciclo desta e outras doenças de origem animal que já se urbanizaram (ou estão em vias de) no Brasil, como é o caso da Dengue, da Febre Amarela e da Leishmaniose, por exemplo.
“Conhecer a doença e saber se prevenir é o melhor jeito de combater uma doença. O mais importante é o esclarecimento. E o jogo é uma chance de comunicar de uma forma nova para indivíduos atentos e ávidos por conhecimento. O público-alvo são crianças e jovens que podem disseminar a informação e efetivamente modificar práticas e condutas relacionadas ao ambiente em que o carrapato se faz presente. Eles são mais fáceis de ser convencidos que um adulto, mas podem fazer com que o adulto, através de uma ação direta, mude seu olhar sobre a importância da prevenção.”, ilustra Claudio.
Dentro do jogo também existe um “mini game”, que é um simulacro divertido da infecção em seres humanos O malvado Rick, personagem que representaa Rickettsia (bactériaque causa a Febre Maculosa), é visto em um cenário de batalha contra o relógio, que começa a rodar assim que a pessoa é infectada. O jogador precisa ser rápido e eliminar “Rick e seu exército”, ou seja, as bactérias causadoras da doença. Com um canhão que dispara comprimidos de doxiciclina, medicamento de escolha para o tratamento da Febre Maculosa no país, o jogador deve ser rápido e ágil para acabar a infecção antes que seja tarde. Essa ação tem o objetivo de dar a sensação de urgência no tratamento. O quanto mais rápido a pessoa for ao encontro do profissional de saúde, sendo adequadamente diagnosticada,e tomar o medicamento, maiores as chances de eliminar a doença, em outras palavras, de sobreviver.
Os easter eggs (no linguajar gamer: "surpresinhas") também fazem parte do jogo. Quem se inscrever pela PlayStore (loja de aplicativos Android), através de sua conta pessoal, têm desafios a completar durante o gameplay, abrindo assim cadeados para novas tarefas. A intenção é aumentar o nível de dificuldade, aleatoriedade e agilidade do jogo, em busca de o que os especialistas chamam de rejogabilidade(replayvalue).
“A lógica do Pula Carrapato é de informar o que é a Febre Maculosa e como se prevenir. Fazer com que as pessoas entendam que existem carrapatos espalhados pelo mundo afora, mas que não necessariamente possam causar algum problema. E aqueles que, porventura vierem a causar, se as pessoas estiverem preparadas para lidar com esse problema - não só com o carrapato, mas também com os outros animais -, conseguem atenuar possíveis danos ou até prevenir a enfermidade sem maiores preocupações. Poderão observar que em nenhum momento se fala em usar pesticidas ou em matar o carrapato. O único momento de "tensão" é quando a bactéria já está instalada, podendo levar a infecção de seres humanos.”, esclarece Claudio.