Por: Matheus Cruz e Gardênia Vargas
O vírus da chikungunya chegou ao Brasil pelo menos um ano antes do que foi detectado pelos sistemas de vigilância em saúde pública. A descoberta, feita por pesquisadores da Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade de Columbia (EUA) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foi descrita em artigo publicado no periódico acadêmico Scientific Reports, do Grupo Nature.Um dos coordenadores do estudo é o pesquisador Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) da Fiocruz. A pesquisa tem como objetivo auxiliar para que as tomadas de decisão em saúde pública sejam baseadas em evidências, uma vez que o resultado leva a crer que pacientes foram diagnosticados erroneamente no país, sobretudo no Rio de Janeiro, por todo esse período de não identificação do novo vírus.
“Se temos a evidência de que um vírus circulou por mais ou menos um ano sem ser detectado – e isso aconteceu pra Chikungunya e Zika mais recentemente –, significa que a vigilância precisa se preocupar muito mais com os casos negativos para vírus pré-existentes e começar a triar para outros possíveis agentes com potencial de emersão. Desta forma, é possível reconhecer esse vírus antes que ele se torne um problema de saúde pública, evitando, assim, uma possível epidemia”, explica Moreno.
Amostras de sangue coletadas no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), no Rio de Janeiro, entre março de 2016 e junho de 2017 foram analisadas usando teste genético para rastrear a entrada do vírus no Brasil, tanto temporal como geográfica. Das amostras analisadas, mais de 60% tiveram resultado positivo para vírus chikungunya. Dentro desses casos, 40 amostras positivas para chikungunya que tiveram resultados negativos para dengue e zika foram avaliadas novamente, usando o método CII-ArboViroPlex, desenvolvido pelo Centro de Infecções e Imunização (CII) da Universidade de Columbia. Esse método consegue, simultaneamente, resultados para a presença de zika, todos os sorotipos do vírus da dengue, febre do Nilo e chikungunya. O teste confirmou a avaliação anterior, mas com maior sensibilidade, sugerindo a possibilidade de identificar o vírus que outros testes não teriam.
Dessas amostras, 14 representavam datas específicas do período de 15 meses antes e foram analisadas posteriormente utilizando outro método de detecção, vigilância e descoberta de arboviroses desenvolvido pelo CII. O teste permitiu a recuperação quase completa dos sequenciamentos de DNA e identificação dos genótipos do vírus da chikungunya. “Cada vez que um vírus se replica, ou seja, circula, surgem mutações no genoma. E, através da ancestralidade dessas variações, conseguimos mapear a rota que o vírus fez por aqui e quando”, esclarece Moreno.
A análise desses 14 sequenciamentos mostrou uma forte correlação entre a divergência genética e a data em que a amostra foi coletada, ou seja, uma janela de cerca de um ano foi encontrada. Esse resultado permitiu que os pesquisadores identificassem um “relógio molecular” baseado no ritmo de mutações entre as amostras. Esse “relógio” sugere que o vírus pode ter circulado no início do ano de 2012, e veio provavelmente da África Central, depois de uma circulação negligenciada por 20 anos em outras partes do mundo. O vírus da chikungunya foi reportado pelos órgãos de vigilância em saúde pública apenas em 2014.
“Outras investigações tentaram identificar indícios do vírus no Brasil em 2014; o nosso estudo aponta um aparecimento anterior da chikungunya”, diz Moreno. “Destacamos também que megalópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro, endêmico para dengue, têm circulação autóctone do vírus chikungunya desde março de 2016, quando co-circulou com dengue e vírus zika. Após isso, a chikungunya acabou se tornando a mais prevalente arbovirose do país", acrescenta o pesquisador.
Outra importante evidência dos estudos aponta a entrada do vírus no Rio de Janeiro em um só evento, vindo diretamente de Sergipe. Ou seja, o bloqueio para as arborivores no estado não está sendo eficaz. “Bastou um evento para o vírus entrar e se instalar, e isso significa que não há obstáculos para sua circulação. O que se espera é que sejam necessárias múltiplas entradas para que uma nova doença se estabeleça. Assim, o que temos como resultado dessa pesquisa é o diagnóstico da situação atual, o que nos aponta um caminho a ser seguido para que possamos controlar a entrada de possíveis novos vírus no país”, conclui o pesquisador.